segunda-feira, 11 de julho de 2011

A ciência "chora" por falta de recursos, diz presidente da SBPC

Começou ontem (10), em Goiânia, a 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Na edição deste ano, o encontro deverá reunir cerca de 10 mil pessoas e as atividades abertas ao público devem receber até 20 mil. Até sexta-feira, serão apresentados 5.947 trabalhos de pesquisa e experiências de ensino-aprendizagem e realizadas 61 conferências, 80 mesas-redondas, dez simpósios, sete sessões especiais, 80 minicursos e cinco assembleias, tudo tendo como tema central Cerrado: Água, Alimento e Energia.

A escolha do tema comprova a preocupação da comunidade científica brasileira com a questão ambiental, de forma "transdisciplinar" enfatiza a bióloga Helena Bonciani Nader, professora do Departamento de Bioquímica da da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidenta da SBPC, reeleita recentemente.

Este ano, Helena Nader iniciou duas cruzadas em Brasília. A primeira é para fazer com que os parlamentares ouçam os cientistas brasileiros quanto às mudanças no Código Florestal. A segunda é para garantir que a ciência e a tecnologia não percam investimentos públicos. Segundo ela, o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminou com elogios da comunidade científica, quanto a investimentos. Porém, com os cortes anunciados em fevereiro, na gestão da presidenta Dilma Rousseff, foram "a pior coisa que poderia ter acontecido a classe científica chora a falta de recursos".

Leia a seguir os principais trechos de entrevista concedida pela presidenta da SBPC:

Por que escolheram o tema Cerrado para a reunião?

Nas últimas duas reuniões, tratamos de questões relativas à biodiversidade nacional. Em 2009, foi a Amazônia. No ano passado, o mar. Agora, o Cerrado seria uma alternativa natural. Uma feliz coincidência fez com que o reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Edward Madureira Brasil, oferecesse as instalações para sediar a reunião. E aqui estamos bem no meio do Cerrado

O tema central da reunião será mesmo a questão ambiental?

Entre várias outras, não é? Não é só o ambiental, tem também, por exemplo, toda uma discussão em torno do individuo que mora em determinada região. Haverá avaliações sobre o impacto de algumas obras nas populações. Estamos olhando o ambiental, mas também estamos olhando a economia. O foco é transdisciplinar, não é só ambiente em si ou a preservação.

Os grandes projetos estão na agenda política nacional assim como a mudança do Código Florestal sobre a qual a SBPC se posicionou, mas não foi ouvida na votação na Câmara dos Deputados. Os cientistas estão sendo ouvidos no Senado?

Sim, já participamos de algumas audiências públicas. Duas delas aconteceram na terça (5) e na quarta-feira (6). Levamos a contribuição que a ciência pode dar. Não cabe à SBPC verificar aspectos jurídicos e políticos. O grupo de trabalho da SBPC não opinou em relação ao problema de perdão da divida, portanto. Estamos mostrando que existe uma ciência que o Brasil domina e deve ser levada em consideração. Há tecnologias que podem ajudar, por exemplo, na definição das áreas de preservação permanente e de reserva legal, assim como nos meios de recomposição florestal. É preciso deixar claro que a SBPC não é pró-ambiente e nem pró-agricultura, ela é pró-ciência. A ciência pode dar equilíbrio a essas duas coisas.

A reunião ocorre depois de a presidenta Dilma Rousseff completar os primeiros seis meses de mandato. Como a comunidade científica avalia o desempenho do governo?

Helena Nader - Estamos muito preocupados. Muito mesmo. O governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminou com elogios de todos os lados, inclusive da comunidade científica. Elogios muito grandes porque tinha investido mais em ciência, tecnologia, e estava começando no trilho para a inovação - que é o que todo mundo cobra. Foram criados os institutos nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) dentro daquela política de Estado de manter a pesquisa e fazer esse diálogo com o setor produtivo. 

O que aconteceu?

Para surpresa nossa, foi cortado o orçamento dos INCTs. Então, aquilo que vinha em um crescente, caiu. Foi cortado em fevereiro e não vai ter recomposição. Então, estamos lutando por essa recomposição. Os cortes do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) não fazem sentido.

Os INCTs articulavam os pesquisadores do país inteiro. E como eles ficam agora?

Eles continuam existindo, mas não têm dinheiro. Aquilo que saiu, saiu. O corte foi para tudo. Não é só para os INCTs. Houve um corte em torno de 25% - isso é muito dinheiro! Não é que o ministro Aloizio Mercadante da Ciência e Tecnologia ou secretário executivo do MCT, Luiz Antônio Elias, não estejam lutando. Nós fomos chamados a Brasília e nos disseram que isso já se resolveu, mas eu ainda não vi isso por escrito. Fomos chamados para uma reunião com todos os setores da sociedade para discutir o Plano Plurianual. Fui como representante da ciência. Na reunião, vimos que haviam dez macrodesafios no plano, mas não estava a área de ciência e tecnologia.

Como aumentar a relevância da ciência brasileira?

Em algumas áreas já competimos de igual para igual com os países desenvolvidos. Um exemplo: doenças infectoparasitárias, graças a instituições centenárias como o Instituto Oswaldo Cruz e o Instituto Butantã. Na agricultura tropical também nos destacamos. Vale a pena lembrar que a escola agrícola mais antiga das Américas surgiu em Cruz das Almas (BA). Nós a conhecemos hoje como Universidade Federal do Recôncavo Baiano. Quando a Embrapa se tornou uma referência mundial, ela já tinha uma história que a antecedia. Precisamos conquistar a mesma tradição em outras áreas. Nossas universidade são jovens. Quase todas tem menos de 100 anos. Além disso, nossos estudantes precisam dominar o inglês. Deixar de investir no inglês significa desistir de fazer ciência internacional. Por fim, precisamos definir em quais áreas queremos estar entre os primeiros do mundo. Mas isso é uma questão de política de Estado e cabe ao Estado decidir.

A SBPC acompanha a discussão do Plano Nacional de Educação?

Estamos participando. Algumas pessoas da SBPC acham que temos que fazer uma grande revolução estrutural nas universidades. Outras, não. Estamos com modelo antigo para as universidades - modelo francês que tem 150 anos -, e hoje e temos que ter uma flexibilização de currículos. O MEC está incentivando que isso aconteça, mas é difícil acontecer de uma vez. Todos concordam que tem que haver uma maior flexibilização no sentido de o estudante poder fazer outras coisas em outros lugares e isso valer créditos.

Qual a sua opinião sobre os investimentos em ciência e tecnologia?

Melhorou nos últimos anos, mas ainda é pouco. Neste ano, amargamos um corte de 20% a 25% no orçamento. Foi o maior desastre que poderia ter acontecido. O Marco Antonio Raupp (então presidente da SBPC) e o Jacob Palis Junior (presidente da Academia Brasileira de Ciências) participaram de várias audiências públicas pedindo que o dinheiro do pré-sal seja investido em educação, ciência e tecnologia. E o que ocorreu? Infelizmente, nada. Estamos tentando reverter o quadro no Senado.

Qual é a maior dificuldade?


A maior dificuldade é que não posso deixar de trabalhar como pesquisadora da Unifesp e ficar 100% do tempo circulando em Brasília e convencendo os parlamentares um a um. Mandamos cartas e participamos das reuniões, mas devemos chegar antes, fazer corpo a corpo constante. Discutiremos isso aqui: precisamos dividir o trabalho de convencimento.

Quais os principais entraves para a pesquisa científica?

Sem dúvida, os marcos legais. As leis para licitações, importações, acesso à biodiversidade e proteção à propriedade intelectual são muito ruins. Estamos muito aquém dos chineses. Eles estão determinados a ter algumas de suas universidades entre as melhores do mundo nos próximos cinco ou dez anos.

Entrevista retirada do Estadão e do Jornal do Brasil.

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