A semanas do início oficial das atividades da Rio+20, negociadores políticos, representantes de empresas e de organizações não-governamentais perdem o sono, literalmente, em debates, exclusões, negociações, acréscimos e novos debates sobre os principais itens que, hoje, resumem os temas de destaque da conferência.
Excetuando a criação de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) – que goza de certa unanimidade entre todas as partes, até mesmo porque se alinha diretamente com o tema guarda-chuva da Rio+20, os demais assuntos dividem opiniões.
Os grandes temas da Rio+20:
- Transição para uma economia verde
O que está em jogo: Aumentar a oferta de empregos de modo a suprir as necessidades básicas de mais de 500 milhões de indivíduos que estarão em busca de trabalho nos próximos 10 anos. Considerar ainda os potenciais riscos para o comércio internacional. O temor é que a maneira como os países utilizam os recursos naturais, e o tipo de impacto que produzem na atividade econômica dêem origem a medidas protecionistas e novos subsídios. Por empregos verdes entende-se vagas na agricultura, indústria, serviços e administração que contribuam para a preservação ou restauração da qualidade do meio ambiente.
Quem lidera: O tema está longe de ser unanimidade. Os países em desenvolvimento temem que isso imponha barreiras comerciais não tarifárias, condicionantes ao desenvolvimento ou “receitas” para o desenvolvimento. Além disso, as discussões atuais não incorporam os meios para essa transição, essencialmente recursos financeiros e transferência de tecnologia. A União Européia lidera explicitamente essa discussão, propondo um roadmap para a green economy. Países em desenvolvimento (G77) resistem à ideia e buscam encontrar sua própria conceituação de economia verde, que incorpore suas preocupações.
- Novos índices para medir o progresso:
O que está em jogo: Deixar de aplicar o Produto Interno Bruto como único indicador de progresso nas contas dos governos. A proposta, conhecida como PIB +, pretende encorajar os países a também medir e explicar o valor de seu Capital Natural (recursos naturais) e o bem-estar social.
Quem lidera: Reino Unido. O país já estabeleceu uma Comissão para o Capital Natural junto ao governo. A França também: apoiou a já conhecida Comissão Stiglitz (Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress). O governo japonês também apoia.
- Segurança alimentar e nutricional:
O que está em jogo: Aumentar o investimento agrícola e a promoção do investimento agrícola responsável, bem como as ações nos países em desenvolvimento para aumentar a produção de alimentos e atender às demandas das populações por meios de mecanismos como financiamento, acesso a novas técnicas agrícolas, incentivo a grandes culturas e também de estímulos à agricultura familiar. Inclusão social é uma das metas dessa proposta.
Quem lidera: Sob o aspecto da inclusão social, o tema tem no Brasil o seu protagonista. Mas, no geral, é polêmico. Recentemente, países como Canadá e Austrália retiraram da Minuta Zero a menção à “soberania alimentar” e substituíram os termos para “intensificação da produção sustentável de alimentos”, o que tem mobilizado os negociadores de países da África e da Indonésia, que têm populações pobres e dependentes da produção agrícola.
- Acesso à água:
O que está em jogo: Garantir o direito à água potável e limpa e ao saneamento como um direito humano essencial, como estabelecido a partir da Eco-92.
Quem lidera: O Brasil tem grande influência nos debates, e defende que a estrutura institucional da ONU não é forte o suficiente e coordenada o bastante para lidar com as diversas questões relacionadas à agua. Atualmente, várias agências e programas da ONU se sobrepõem, o que torna necessário reforçar as iniciativas globais, como a UN-Water e fortalecer outras transversais, como o Fórum Mundial da Água. Hoje, 34 mil pessoas morrem por dia de sede ou por ingestão de água contaminada.
Durante a 3a Reunião Interseccional da ONU realizada em março, os negociadores dos EUA tentaram excluir da declaração da conferência o tema de acesso universal à água. Isso abriria caminho para a privatização dos serviços de saneamento básico, um tema polêmico, que deixa em pé de guerra as representações da sociedade civil. Obtiveram o apoio de União Europeia, Reino Unido, Canadá, Austrália, Israel e Nova Zelândia.
- Gestão dos oceanos
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O que está em jogo: GaCriar novas regras para regular o uso das águas oceânicas para comércio, transporte, exploração de petróleo e atividade da pesca, considerando que isso é vital para o equilíbrio da oferta de águas pluviais e potável, do clima, da oferta de alimento e até mesmo do oxigênio do ar que respiramos, elementos que dependem do equilíbrio do ecossistema dos mares.
Quem lidera: O Small Islands States (denominação em inglês para o coletivo formado por países insulares) e os países europeus, especialmente França, com foco no impacto da degradação dos oceanos sobre as atividades pesqueiras. O debate gera enorme polêmica para Japão, Canadá e Rússia, países que temem a aprovação de cotas de pesca, conforme descrito no Parágrafo 80 da Minuta Zero. É delicado também para países exploradores de petróleo, como o Brasil, por conta dos riscos causados à biodiversidade em caso de acidentes com derramamento de óleo. Mas o governo brasileiro está ativo na busca de um novo acordo no âmbito da Convenção sobre o Direito do Mar, que inclui a conservação e o uso sustentável da biodiversidade dos mares em áreas fora da jurisdição nacional.
- Expansão do uso de energia renovável:
O que está em jogo: Criar mecanismos que incentivem o uso de energia renovável para garantir o acesso universal a serviços de energia modernos e mais eficientes, bem como aumentar o uso de fontes renováveis e reduzir o consumo de combustíveis fósseis. A pauta tem grande importância pelo tema que dela é consequente: o desafio da redução das emissões de carbono, assunto marginal na Rio+20 e que segue sendo propriedade da Convenção sobre Mudança do Clima, que conta com suas próprias conferencias internacionais (COPs, abreviatura do inglês Conference of Parties).
Quem lidera: Os países europeus, de olho na demanda de novas tecnologias para a expansão do uso de energia solar, dos ventos e das marés. O petróleo caro, a falta de mananciais hídricos para geração de hidreletricidade e a necessidade de banir o fomento à energia nuclear por motivos de segurança e custo, impulsionam a bandeira europeia que, entretanto, deixa em posição delicada países como o Brasil, ricos em petróleo e com cenário futuro de desenvolvimento econômico inspirado pelo pré-sal.
- Novo arcabouço institucional da ONU:
O que está em jogo: Reforçar o papel da atual Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CSD) do Departamento de Assuntos Socioeconômicos (ECOSOC) da ONU e/ou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Ambas instâncias não têm caráter normativo ou regulatório, mas de adesão voluntária pelos países, o que dificulta a adoção de fato dos acordos.
Quem lidera: A pauta é prioridade de todos os países, porém existe uma clara polarização entre Brasil e o bloco europeu. O governo brasileiro propõe a criação de um Conselho para o Desenvolvimento Sustentável, conforme a recomendação do Painel de Sustentabilidade Global (GSP) estabelecido em passado recente pelo secretário-geral da ONU. E igualmente apoia o fortalecimento do PNUMA através de contribuições financeiras obrigatórias por parte dos países e sua participação universal. Já os europeus defendem a criação de uma Organização Mundial do Meio Ambiente, semelhante à Organização Mundial da Saúde.
- Criação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS):
O que está em jogo: Orientar e estimular os esforços nacionais e internacionais para o estabelecimento de compromissos de caráter universal, que possam ser aplicados por países desenvolvidos, em desenvolvimento e emergentes. Os temas por trás de cada ODS ainda não foram escolhidos oficialmente, mas sabe-se que energia e produção e consumo estarão na lista.
Quem lidera: Colômbia, com forte endosso do Brasil e do Reino Unido. Muitos países preferem não escolher os temas antes da Rio+20; outros – como o Brasil – discutem a idéia de escolher os temas durante a conferência. O Japão vai além e defende a inclusão do conceito de “segurança humana” nos ODS. O que é preocupação comum a todos e que ainda demanda clareza por parte dos que defendem a criação dos ODS é de ordem prática: em que medida bateriam de frente com os Objetivos do Milênio, lançados em 2002 e com plano de metas para 2015?
Notícia retirada da Revista Veja.