A conferência internacional Rio+20, promovida pela ONU no Rio de Janeiro, vai reunir em junho chefes de estado, ativistas sociais e ambientais, pesquisadores e empresários para discutir como promover um desenvolvimento mais sustentável. É uma grande oportunidade. Mas que pode terminar diluída em documentos vagos. “Estamos diante de posições tímidas dos governos com relação à sociedade e ao ambiente natural, impondo questões temáticas que impedem de ver o todo”, afirma Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental e integrante Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Ele é um dos organizadores do seminário “Desconstruindo a crise civilizacional – um olhar sobre a Rio +20”, em São Paulo. Em entrevista, Bocuhy diz o que espera da Rio+20.
O que podemos esperar de concreto da Rio+20? Dela vai sair algum acordo ou tratado internacional ou está mais para documentos de intenções?
Carlos Bocuhy: O que se sinaliza é o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, com a perspectiva de criação de uma agência global para o meio ambiente. Mas não há muitas expectativas com relação a isso. A crise econômica está lançando a área ambiental para uma grande maquiagem verde. Ninguém abre mão de favorecer a manutenção da frágil estabilidade econômica atual, não importa o desastre que isso represente no futuro. Vejamos a altíssima conta futura das consequências do aquecimento global. A perspectiva é que os Estados Unidos continuem a empurrar com a barriga este processo, como fizeram com o Protocolo de Kyoto. O respeito à soberania é a tonica das Nações Unidas, portanto temos sempre cartas de intenções. Veja o que o Brasil fez quando a Comissão de Direitos Humanos da OEA, por conta de Belo Monte, puxou sua orelha: ameaçou de deixar a OEA. Fazer o que? Quando não há ética, não há transformação possível, apenas um jogo de conveniências e aparências. Mudança de comportamento exige compromisso verdadeiro com postura e atitude, não apenas palavras.
Um dos principais objetivos da Rio+20 é debater os caminhos para uma economia verde. O que é essa economia verde? Ela é viável?
Bohuny: O que é a economia verde? Ela vai trabalhar escala de consumo? Não, propõe manter desenvolvimento com aspectos de inovação tecnológica e discurso de inclusão social. Como no Titanic estamos todos juntos, passageiros de primeira, segunda e terceira classe rumo ao iceberg. Há uma forte tendência inercial nos rumos atuais da economia e uma qualidade estática e dura revelada pelos limites do planeta. Reverter motores e girar o leme será o mínimo que a economia deveria fazer – e já é tarde: vamos todos entrar numa fria. Há fé na tecnologia, sem respeito aos limites do planeta, sem análise de riscos. A esperança no inafundável gerou falta de prevenção e atitudes corretivas que poderiam ter mudado os rumos daquele naufrágio.
O Brasil, como país anfitrião, oferece bons exemplos para discutir a economia verde?
Não. Só tem capital natural, mas não tem uma política para a sustentabilidade. A entrada tardia no processo de crescimento, de ocupação do espaço territorial, ainda permite manter uma razoável capacidade de suporte em regiões mais afastadas dos centros que detém forte ritmo econômico. São Paulo já rompeu há muito sua capacidade de suporte ambiental, seja para ecossistemas marinhos, manguesais e pela ocupação da orla, que lançará populações, aos milhares, como refugiados para áreas de proteção ambiental em função do aumento das marés pelo aquecimento global. A mancha urbana de São Paulo está se conurbando com as regiões metropolitanas do Vale do Paraíba e de Campinas. Prefeitos fecham os olhos para essa realidade e continuam a administrar dentro das surreais linhas administrativas, ilusórias, enquanto os ecossistemas naturais são drasticamente alterados de forma suicida. O interior transformou-se em mar de cana, como se a humanidade fosse alimentar-se de combustível. Criamos uma sociedade insensível para a ecologia e os ecossistemas e vivemos uma sociedade-ficção, com fixação em bens de consumo, uso abusivo do solo e de bens materiais. Discute-se agora a apropriação do território marinho, também sem estudos sobre capacidade de suporte dos ecossistemas. A humanidade fuma, bebe e come desenfreadamente, esquecendo-se dos limites naturais que permitem uma condição saudável de existência, ao longo do tempo. Não chegará aos 60.
E o Rio de Janeiro, a cidade sede, é um bom local para discutir economia sustentável?
O Rio é belíssimo por sua condição natural, geomorfológica, mas transformou-se em desastre urbano por falta de gestão territorial com inclusão social. Há também necessidade de uma cultura de paz para o Rio de Janeiro – e talvez a Rio + 20 possa trazer um pouco dessa perspectiva, que tem permeado os movimentos sociais de todo o planeta.
Onde você estava em 1992, durante a Rio 92?
Em 1992 eu estava profundamente envolvido com a perspectiva de processos de educação ambiental, formal e informal, que pudessem transformar os caminhos da sociedade. Na época, eu e minha mulher escrevíamos um programa de educação ambiental abrangente que visava mudança de comportamento. Idealizávamos uma verdadeira revisão antropológica do conhecimento humano com inserção de conteúdo ambiental nas diferentes disciplinas para formação de jovens. Tivemos forte reconhecimento público, das áreas técnicas e de profissionais de educação. Mas os programas de educação ambiental nas escolas passaram mais e mais a servir de apoio político a programas pontuais de governo. Se aquela geração tivesse sido criada para a consciência crítica, hoje teríamos um outro quadro de exigência social frente à administração pública e ao mercado.
Como você compara as duas conferências: a de 1992 e a de 2012?
Vamos falar das três? Estocolmo foi infância, Rio+0 foi adolescência e agora estamos na fase adulta. Porisso mesmo a enorme responsabilidade das tomadas de decisão, mas os governos estão vindo á conferencia com quimeras, sem perspectivas ou coragem para propor mudanças mais estruturais. Estamos entrando reconhecidamente no Antropoceno (nova era na idade da Terra que, segundo alguns cientistas, é dominada pelos efeitos da espécie humana) . A conjuntura é outra, completamente diversa do ponto de vista de reconhecimento do potencial de intervenção negativa do homem sobre o planeta. Assim, não podemos pensar em meias-medidas, mas sim em verdadeira generosidade, para o planeta e para a humanidade. É preciso esquecer esse uso nocivo da palavra sustentabilidade, que virou escova de dentes – cada um tem a sua. É preciso falar em sobrevivência da vida pela manutenção das condições naturais. Então, a primeira foi a conferencia do desenvolvimento, a segunda do desenvolvimento sustentável e esta, a terceira, deve ser a da sobrevivência.
O que falta à Rio+20?
O básico, o frugal. O conceito de sobrevivência, o reconhecimento do limite das alterações aceitáveis para manter a vida. Falta a mudança pela essência, não o recorte sobre o que já não funciona. Falta o reconhecimento de que estamos numa crise civilizacional.
Há risco de decepção com os resultados da Rio+20?
Os governos e a sociedade estão prestes a se acomodar nos botes salva-vidas. Estamos trabalhando com a perspectiva de pautar o pós-Rio+20 e para isso estamos provocando uma reflexão crítica com o seminário “Desconstruindo a Crise Civilizacional: um olhar sobre a Rio+20”. Estamos diante de posições tímidas dos governos com relação à sociedade e ao ambiente natural, impondo questões temáticas que impedem de ver o todo. Há retrocessos inimagináveis em curso, diante dos efeitos climáticos, que afetarão duramente as áreas de saúde e bem-estar social. Lá fora o devastador potencial da cadeia do petróleo e o acirramento de emissões para o aquecimento global – no Brasil, isso se consubstancia também nos retrocessos sociais e em perdas como a do Código Florestal. A sociedade ficará de fora na Rio +20, como Portinari ficou fora das Nações Unidas e não pode admirar no saguão da ONU seus painéis de Guerra e Paz. O Jet set internacional governamental e corporativo irá, de forma glamorosa e fotogênica, defender posições tímidas, de mais-do-mesmo. Neste palco da tragédia anunciada segmentos mais lúcidos ficarão no convés – e como a orquestra do Titanic, irão tocar até a última nota.
Notícia retirada da Revista Época.
Nenhum comentário:
Postar um comentário